Remar

A Remar é talvez a mais conhecida organização de reutilização solidária em Portugal. É certamente aquela que mais contacto tem com o público, através das suas 35 lojas espalhadas pelo país. 

Em 1989, ano em que chegou a Portugal (nasceu em Espanha), veio desempenhar um papel fundamental na reinserção de toxicodependentes. Estava-se no auge das drogas duras (e das situações de miséria de rua com ele relacionadas); presença assídua nos locais de consumo, a Remar mudou o rumo de muitas vidas com a sua proposta de acompanhamento (nomeadamente espiritual), alojamento e alimentação. Jorge Pereira, hoje responsável pela comunicação, lembra-se desse tempo, em que com infraestruturas de acolhimento inferiores às de hoje e com dias em que entravam 20 pessoas novas, não raro um utente mais antigo se via obrigado a ceder a cama a um recém-chegado. Não havia listas de espera; a instituição estava, e continua a estar, sempre pronta a acolher. Hoje o perfil dos beneficiários é diferente; há menos toxicodependência, mais sem abrigo (muitos com problemas de alcoolismo), e são mais regulares as passagens sucessivas de uma mesma pessoa pela instituição.

A Remar opera também uma igreja evangélica. Curiosamente, a igreja não precedeu o projeto de reinserção social; veio depois, para “preencher um vazio” na vida dos beneficiários “que só a prática do amor ao próximo pode colmatar”, nas palavras de Jorge Pereira.

São os particulares que doam a maioria dos bens que a Remar recebe, e é a estes que a organização os vende. Mas há também parceiros institucionais importantes: a Segurança Social e os Hospitais, que encaminham utentes (embora por vezes estes não tenham um perfil compatível com a respostas da Remar); estabelecimentos prisionais, dos quais chegam reclusos em licença de saída jurisdicional (“precárias”) ou a cumprir penas em regime aberto. A organização tem algumas parcerias de negócio, nomeadamente com a Infraestruturas de Portugal (para transporte de arquivos) e a Molaflex (substituição de colchões em hotéis). 

Porque a qualidade dos bens doados tem baixado – com implicações em termos de custos, dadas as taxas de deposição em aterro dos materiais que ficam por escoar – a Remar começou a vender também mobiliário novo, importado da China em grandes quantidades pela Remar Espanha que depois o distribui pelas várias lojas ibéricas. Mas a grande maioria dos bens transacionados continua a ser de segunda-mão.

Valdemiro Silva

Rua Possidónio da Silva, 104

No centro Remar da rua Possidónio da Silva, em Lisboa, vivem 20 pessoas. A trabalhar na loja (espaçoso rés-do-chão e cave), encontrámos Valdemiro Silva, 60 anos. A Remar é a sua casa há 25, após uma trajetória de consumo de drogas, criminalidade e prisão. De saúde frágil, faz hemodiálise três vezes por semana; quando está ausente, a secção de roupa e calçado, por ele gerida, fica fechada. Gostava de ter sido psicólogo, mas “pisou o risco, e pisou-o mal”; hoje vive reservado, “farto do mundo” mas conversando generosamente com quem o quiser ouvir, certo de que “se não fosse Deus”, que encontrou através da Remar, “estava preso ou estava morto”.

remar.pt